IASP debate a cultura do assédio à luz do Direito e nas empresas
Por Avocar Comunicações
Debatedoras apontam discrepâncias entre as decisões judiciais e advertem da importância das empresas se engajarem na questão
A construção de um ambiente de trabalho saudável é um dever empresarial e deve sempre ser tratado como um objetivo da empresa. No entanto, a cultura do assédio ainda é muito presente, mesmo em grandes estruturas organizacionais e também no judiciário, haja vista a discrepância entre as decisões judiciais. Seja ele moral ou sexual, o assédio constitui um tipo de violência que deve ser combatido de forma institucional.
O debate “A Cultura do Assédio à Luz do Direito Comparado”, na sede do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP) no dia 11 de outubro, promoveu a apresentação de uma série de experiências para diminuir e combater a prática. O evento foi organizado pela Comissão de Direito Antidiscriminatório, presidida por Luanda Pires, e contou com diversas contribuições divididas em três painéis. “Precisamos combater o assédio, entender que medidas podem ser tomadas para encorajar vítimas a apresentar denúncia e contribuir para ambientes de trabalho mais seguros”, apontou a diretora cultural do IASP, Ana Nery.
A Justiça do Trabalho vem reconhecendo o assédio moral, mas há certa discrepância quanto ao posicionamento de juízes: alguns consideram um delito grave, enquanto outros acreditam que não é necessária a reiteração do comportamento para que se qualifique como tal. Por isso, a presidenta do Conselho Nacional da Mulher Advogada, Cristiane Damasceno, defende que exista “uma definição explícita de assédio no ordenamento jurídico”. Da mesma forma, segundo Luanda, “nenhuma análise nesse sentido pode passar somente pelos aspectos culturais; é essencial falar sobre as relações de poder”.
A presidenta da Ordem dos Advogados do Brasil – seção São Paulo (OAB/SP), Patrícia Vanzolini, destacou que as lutas precisam entrar nas instituições do Estado e fincar raízes, com mulheres em posições de liderança. “É importante que cobremos do governo essas políticas de ações afirmativas para proporcionar segurança e igualdade”, afirmou. Mas o esforço não se limita à esfera pública: os escritórios são responsáveis por criar programas próprios de prevenção contra o assédio, como canais de denúncias, além de aprimorar sistemas preventivos à violência com técnica, qualidade e confiabilidade.
O segundo painel detalhou a questão dos canais de acolhimento e denúncias. Para a presidente da Comissão de Direito das Mulheres, Thaís Folgosi, o compliance é um instrumento de proteção para combater o assédio. “Os mecanismos de compliance precisam conversar com essa nova realidade. Ainda são pouco preocupados com a questão da diversidade. O mapeamento de riscos precisa envolver a perspectiva de gênero e a inclusão das mulheres”, afirmou.
A diretora do movimento Me Too Brasil, Luciana Terra, apontou que, durante a pandemia, surgiram canais para que as mulheres pudessem falar. No entanto, reconheceu que a principal dificuldade em casos que assedio é a falta de provas. No Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário Federal no Estado de São Paulo existe um coletivo que acolhe as vítimas de assédio formado apenas por mulheres e que dá apoio jurídico. Mas a diretora do sindicato, Ester Nogueira, lembra que algumas as procuram somente para desabafar, pois tem medo de assumir publicamente a questão.
“A violência e assédio instrumentalizam espaços de privilégio dos homens”, apontou a procuradora do trabalho, Adriane Reis, que coordenou o livro “O enfrentamento à violência e ao assédio no trabalho: uma análise multidisciplinar da convenção 190 da OIT”, lançado no final do evento na biblioteca Arnoldo Wald do IASP. Para a especialista, é preciso transformar o ambiente de trabalho por meio de uma capacitação permanente.
Na terceira mesa com Adriana, participaram mais dois autores do livro: a juíza do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, Patrícia Ramos, e o professor da Unicamp Roberto Heloani.
Apontando como “a hora e a vez do poder judiciário”, a magistrada destacou a importância de o Poder Judiciário conhecer a convenção da OIT e lembrou que a Resolução 351/2020 institui, nesse âmbito, a Política de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral, do Assédio Sexual e da Discriminação.
Heloani aproveitou a ocasião para homenagear a médica e pesquisadora Margarida Maria Silveira Barreto, conhecida no meio científico e sindical pelo pioneirismo na pesquisa e conceituação do assédio moral sexual no trabalho, identificando o impacto das diversas formas de assédio na vida dos trabalhadores. Imunodepressiva, Margarida faleceu após contrair o coronavírus em março deste ano.
Para quem quiser se aprofundar, o debate está disponível no canal do YouTube do IASP. Para assistir ao evento na íntegra, clique aqui.