Mês das Mulheres no IASP discute direitos das mulheres no Executivo, no Legislativo e nas empresas
Por Avocar Comunicação
Diante de quadro não favorável, especialistas apontam questões sociais que influenciam o cenário atual e debatem como aplicar o Protocolo do CNJ sobre perspectiva de gênero
O mês de março é reconhecido internacionalmente como o mês das mulheres. Entretanto, não é tempo de celebração, mas sim de reflexão, resistência e luta. Foi com esse objetivo que a Comissão de Direito das Mulheres do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP) organizou o Mês das Mulheres no IASP, com uma série de painéis para discutir a defesa dos direitos das mulheres em diferentes esferas da sociedade brasileira.
Segundo a presidente da comissão, Thaís Folgosi, apesar dos direitos das mulheres estarem previstos na Constituição brasileira, a prática é muito diferente. “Os direitos das mulheres desde 1988 vêm consagrado na nossa Constituição Federal e infelizmente a gente ainda tem um caminho longo para conseguir atingir essa equidade de forma ampla, garantindo os direitos necessários às mulheres”, ressaltou na abertura do evento.
O evento, que durou dois dias, foi dividido em quatro painéis: Democracia e Gênero: Políticas Públicas na Defesa do Direito das Mulheres, A Perspectiva de Gênero na Atuação do Poder Legislativo, Judiciário e Avanços do Protocolo de Gênero e a Pauta ESG e a Responsabilidade das Empresas na Proteção dos Direitos das Mulheres. O debate, então, abrangeu o poder público, o sistema judiciário e o setor privado frente à garantia da defesa dos direitos das mulheres.
A associada do IASP Raquel Preto, em consonância com o Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, falou, no primeiro painel, em retrocesso dos direitos conquistados pelas mulheres internacionalmente e em suas condições de vida.
Segundo a advogada, esse processo “se deve muito justamente pela percepção e avaliação que a ONU teve com relação aos governos e a ausência de políticas públicas velozes, inteligentes e efetivas para levar a essa transformação”. Raquel cita a redução do financiamento direcionado ao combate da violência contra a mulher no Brasil nos últimos anos, mesmo com o número de feminicídios batendo recorde.
Raça, gênero e território
A advogada especialista em gênero e raça, Cláudia Luna, destacou a questão da interseccionalidade: da sobreposição de opressões sofridas pelas mulheres, seja por raça, territorialidade ou classe. “Mulheres pretas e periféricas, cujo os corpos territórios são habitados por existências diferentes das que estão aqui, têm outras dinâmicas e por isso o Estado, enquanto promotor e implementador de políticas públicas, precisa tirar o seu óculos de miopia e ampliar as suas lentes”, ressaltou.
“A grande maioria das mulheres parlamentares ainda é branca e heterossexual, então ainda temos muita disparidade e falta de representatividade no Poder Legislativo”, apontou ainda a Diretora Cultural do IASP, Ana Nery. “Ainda temos um Poder Legislativo extremamente conservador em temáticas como racismo, violência contra a comunidade LGBTQIA+ e nesse vácuo legislativo o STF acaba decidindo e estendendo, por exemplo, o crime de racismo para outras violências como homofobia e transfobia”, complementou.
A deputada federal Sâmia Bomfim falou ainda sobre a presença de mulheres no legislativo que defendem pautas e leis contrárias aos interesses das próprias mulheres. “A gente bate na tecla da necessidade de ter mais mulheres na política e isso é um elemento básico democrático”, ressaltou Sâmia. “Mas o perfil de muitas delas, as que se aglutinam nas maiores legendas, é de mulheres conservadoras, antifeministas e que estão em uma busca incessante para retroceder de fato em direitos conquistados”, concluiu.
Protocolo CNJ
Outro tema tratado no evento foi a aplicação do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, desenvolvido por um grupo de trabalho no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2021, e que neste ano aprovou Resolução determinando a sua aplicação em todo território nacional. A juíza do trabalho do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), Adriana Manta, comentou que o protocolo reafirma o reconhecimento por parte do Poder Judiciário das desigualdades existentes entre homens e mulheres, e também de outras intersseccionalidades, na sociedade. Desigualdades que devem ser consideradas no momento de atuação da justiça.
“Não tem como dissociar essa pessoa, que é única, singular e possui particularidades e vivências e que dentro do nosso contexto social são lidas socialmente como fatores de hierarquização”, apontou a Adriana. “Todas essas pessoas que vão acessar a casa da Justiça partem de locais muito diferentes de quem está acolhendo, da recepção à sala de audiência, e é isso que o protocolo vem explicitar”, concluiu a juíza.
A presidente da Comissão de Direito Antidiscriminatório do IASP, Luanda Pires, reconhece os avanços previstos pelo protocolo, mas ressalta que apesar de ter sido desenvolvido em 2021, ainda carece de aplicação. “É impossível pensar que as conquistas dos grupos historicamente minorizados, que estão se organizando desde a década de 1960 com destaque ao movimento negro e de mulheres, até hoje não conseguiram ser implementadas, principalmente no judiciário”, apontou Luanda. “Prova disso é que estamos falando de um protocolo de 2021 e foi preciso que em 2023 o CNJ criasse uma Resolução para garantir sua aplicação”, completou.
O juíz do TJ-SP, André Bezerra, explicou como se deu historicamente o processo de reconhecimento das reinvindicações de extratos sociais em forma de direitos pelo Estado. “A primeira fase da luta é a luta pela escrita dos direitos, ou seja, grupos sociais reivindicam que suas demandas sejam reconhecidas por normas escritas do Estado”, afirmou. “O segundo momento é a luta pela leitura desses direitos: para que esses direitos escritos sejam lidos, interpretados e efetivamente aplicados em conformidade às reinvindicações que levaram a sua escrita”, finalizou, exemplificando como está sendo também o processo de aplicação do Protocolo.
Segundo a presidente da Comissão das Mulheres do Instituto, Thaís Folgosi, a construção jurisprudencial da perspectiva de gênero é muito mais presente na área trabalhista. Por essa razão, o tema do último painel buscou tratar da pauta ESG e da responsabilidade das empresas frente à defesa dos direitos das mulheres. “As empresas dizem que diversidade importa. Mas por que não estão mais diversas?” questionou a presidente.
Equidade nas empresas
A fundadora da Rede da Mulher Empreendedora, Ana Fontes, apontou que a necessidade de se diversificar a composição de todos os níveis das empresas não diz respeito somente à Justiça social, mas reflete sobretudo nos ganhos econômicos dessas companhias. “A gente precisa muito conectar o tema da diversidade com economia e inovação”, destacou. “Porque a diversidade é sim o tema de justiça social, mas enquanto não conectarmos o tema a inovação e economia, dificilmente conseguiremos mudar o jogo dentro do ambiente corporativo.”, complementou.
Segundo Ana, “é uma busca por direitos humanos, porque quando falamos de inclusão e diversidade é uma busca para que as mulheres tenham as mesmas condições e oportunidades”. A ativista ainda destaca que a inovação nasce do debate de ideias e, por isso, a inclusão a todas as mulheres é essencial: “50 mais, trans, indígenas, quilombolas e negras”.
A abertura do evento ficou sob responsabilidade da atual conselheira e ex-diretora de Comunicação do IASP, Fabiana Lopes Pinto Santello; da também conselheira do Instituto e da professora da FIG-UNIMESP – Centro Universitário Metropolitano de São Paulo, Maria Elizabeth Queijo; da presidente da Comissão de Propriedade Intelectual e professora titular da FADUSP, Silmara Chinellatto, e da professora da direito da PUC e ex-vice-presidente do IASP, Maria Garcia.
O encerramento foi realizado pela atual diretora de Comunicação do Instituto, Susy Hoffmann, da presidente da Comissão de Direito Ambiental, Priscila Artigas, da presidente da Comissão das Mulheres, Thaís Folgosi, e da professora e advogada Soraia Mendes.
Também participaram do evento:
Advogada Lazara Carvalho
Presidente do Movimento Internacional de Educação Socialista e do movimento Mirim Brasil, Sylvia Siqueira
Codeputada Estadual Carolina Iara
Jornalista Juliana Dal Piva
Conselheira do IASP Marina Coelho
Conselheira do IASP Paula Tonani
Presidente do IASP, Renato Silveira
Vice-presidente da Comissão de Direito Antidiscriminatório, Fernanda Perregil
Desembargadora TRT 2a Região, Ivany Bramante
Advogada Zaira Castro
Head de Legal Commerce & Corporativo do Mercado Livre Brasil, Adriana Cardinale
Expert em diversidade e inclusão e consultura da ONU Mulheres, Tayná Leite
Advogada Soraia Mendes
Advogada especialista em Compliance, Simone Henrique
Deputada Federal Sâmia Bomfim
Advogada Zaira Esterfhane Jesus de Castro
Conselheira do Instituto e da professora da FIG-UNIMESP Maria Elizabeth Queijo