Simpósio Investigações e Processo Penal: painéis sobre crimes econômicos e cibernéticos
No período vespertino, o evento discutiu fraudes com ativos virtuais e o crescimento das facções criminosas
O primeiro painel vespertino do Simpósio Investigações e Processo Penal realizado no dia 5/6, no IASP, foi mediado pela advogada Maria Elizabeth Queijo, integrante do Instituto e doutora em Processo Penal pela USP. A apresentação inicial abarcou investigações em crimes econômicos e foi conduzida pela doutora em Direito Comercial pela USP e Procuradora da CVM, Ilene Patricia de Noronha Najjarian, que abordou a Lei 14.478/2022, Marco Legal dos Criptoativos no Brasil, e que, com enfoque voltado às corretoras de criptos. Ilene destacou a importância da parte penal trazida pela Lei e o acréscimo do artigo 171-A ao Código Penal.
“Na Lei 14.478, o que mais me chamou a atenção foi a amplitude do 171-A. Ainda em um período de amadurecimento de sua aplicabilidade, e vem a referência à fraude com a utilização de ativos virtuais, valores mobiliários ou ativos financeiros”, disse a advogada, que admite melhorias advindas do artigo 171-A, mas defende a potencialização das perícias forenses tecnológicas.
A palestra do delegado de Polícia Federal Edson Garutti, ex-coordenador-geral de Articulação Institucional do Ministério da Justiça e Segurança Pública, enfocou facções criminosas que adentram no corpo político e dominam diversas prefeituras, com políticos eleitos com dinheiro de tais criminosos.
“As facções criminosas estão migrando sua atividade para crimes econômicos. Percebem a facilidade — tanto pelo lucro quanto pela impunidade no nosso país. Mas o que são crimes econômicos? Encaixamos neles crimes como pirâmides financeiras com ativos virtuais, garimpo ilegal. Temos visto por trás desse tipo de crime facções criminosas. Se mantivermos esse mesmo nível de impunidade haverá uma facilitação sem precedentes das garras dessas facções nos mercados econômicos regulados e oficiais”, adverte.
Doutor em Direito Penal pela USP e ex-Procurador da República, Rodrigo de Grandis abordou em sua fala as características da criminalidade econômica, como interfere na dinâmica da investigação e no exercício da atividade de persecução penal e os problemas concretos da atividade de Procurador da República, além de discutir inovações que poderiam contribuir para o aprimoramento da investigação criminal nesta seara.
“Quando falamos em investigação criminal, falamos, preponderantemente, numa atividade desempenhada pelo Estado por meio de normas jurídicas. Me parece bem feliz a expressão do professor Claus Roxin de que o sismógrafo da Constituição de um país é seu sistema processual penal”, afirmou.
No tocante à identidade da criminalidade econômica, segundo De Grandis, “uma forma delitiva que, se comparada à criminalidade chamada de tradicional, estamos a falar de uma criminalidade diversa, que de alguma forma imporia ao Estado uma adaptação em relação à investigação criminal”.
Desafios e tendências com vistas às investigações em crimes econômicos foram pilares da palestra do advogado Marcelo Almeida Ruivo, professor de Direito Penal Econômico do IDP de Brasília. Ruivo afirmou que a atual geração foi pensada em um direito penal econômico antecessor à Constituição e que tem, hoje, uma realidade onde está presente a criminalidade empresarial, que já teria outros elementos como os crimes ambientais, que não podem ser reduzidos tendo em vista seu valor econômico.
“Há ainda um elemento que aumenta a dificuldade investigatória — não se trata propriamente de crime empresarial. É uma criminalidade corporativa. E aí se enquadram outros elementos, como a invasão de dispositivos informáticos. Me parece muito interessante essa análise mais fenomenológica [a identidade] dos autores desses crimes econômicos. Eles não são apenas ‘colarinho branco’, gente de alta respeitabilidade. Talvez, o sistema acabe pegando com maior intensidade essas pessoas”, afirmou.
Fernando Castelo Branco, advogado criminal, professor de Direito Processual Penal e mestre em Direito Processual Penal pela PUC-SP, evidenciou que o processo de globalização mundial, cujas políticas transnacionais de cunho econômico, político e cultural, segundo ele, tem consequências facilitadoras para o convívio social. Porém, o advogado ponderou que tais globalizações também envolvem a criminalidade.
“O crime organizado é cada vez mais organizado e há uma demanda necessária de aprimoramento da investigação criminal que transforma esse correr atrás do prejuízo, infelizmente, muito mais num sistema reativo do que num sistema preventivo”, afirmou Castelo Branco, que colocou ainda em discussão a maneira de funcionamento dos tratados de cooperação internacional em matéria penal.
Investigações em crimes cibernéticos
O segundo painel da tarde, cujo tema foi Investigações em Crimes Cibernéticos, contou com a mediação de Heidi Florêncio Neves, diretora cultural do IASP, advogada e doutora em Direito Penal pela USP. A palestra esteve por conta da Procuradora Regional da República e doutora em Direito Internacional pela USP Anamara Osório, que apontou a multiplicidade de atores da governança na internet, não apenas no setor de quem investiga, mas na sociedade como um todo e em temas variados: liberdade de expressão, proteção de dados, intimidade, dignidade por conta dos casos de racismo e xenofobia.
“Falamos aqui em investigação privada. Talvez esses atores também se interessem em investigar. Precisamos saber o que é permitido, quais os limites. Quem seriam esses atores? Estamos acostumados, falando em investigação privada, no mercado de capitais, na lavagem de dinheiro, corrupção. Quando falamos em crime cibernético não falamos, em lavagem de dinheiro, setor financeiro. Falamos de cyberbullying, pornografia”, afirmou.
Os aspectos mais técnicos relacionados à atividade da Polícia Federal, como seu funcionamento, estrutura e unidades temáticas, aspectos genéricos e cooperação internacional em matéria de crimes cibernéticos foram tratados por Priscila Busnello, delegada de Polícia Federal e ex-chefe da divisão de repressão à corrupção. Especificamente sobre cooperação internacional, ela ressaltou a gradativa necessidade e dependência.
“Sou coordenadora de tratados e foros internacionais, negociei vários tratados, principalmente em cooperação penal. Temos crimes que são transnacionais e precisamos cooperar; formas de cooperação jurídica, baseadas nos acordos e tratados”, afirmou.
Priscila citou ainda a Convenção de Budapeste, promulgada no Brasil em 2023, que traz recursos adicionais para investigações de crimes cibernéticos que demandam a obtenção de provas eletrônicas ou digitais armazenadas em outras jurisdições.
Rafaella Vieira Parca, delegada de Polícia Federal, especialista em Direito Penal e atual chefe da Coordenação de Repressão aos Crimes Cibernéticos relacionados ao abuso sexual infanto-juvenil e crimes conexos, explicou a estrutura da sua unidade e discutiu também a adequação de termos como pedofilia, pornografia infantil e abuso sexual infantil e as atribuições da Polícia Federal, incluindo crimes previstos por tratados internacionais.
Rafaella afirmou que tais delitos, por serem cibernéticos, implicam na utilização da internet para que ocorram. “Há também o contato físico entre abusador e vítima. Quando falamos de cibernético, não há esse contato – não deixa de ser crime, às vezes mais grave que um crime em que há contato físico. O criminoso cibernético tem um potencial lesivo muito grande. Em pouco espaço de tempo tem até 300 vítimas”, afirmou.
O painel foi finalizado pelo advogado Luiz Augusto D’Urso, especialista em Direito Digital pelo IBMEC-SP, Instituto Damásio Educacional e presidente da ABRACRIM (Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas). D’Urso avaliou dados internacionais sobre a movimentação financeira dos crimes cibernéticos. Se colocados no ranking dos PIBs mundiais, o valor movimentado por tais delitos seria o 21º “país”, com US$ 600 bilhões/ano, à frente dos PIBs de Suécia, Bélgica, Áustria e Noruega, por exemplo.
De acordo com D’Urso, o combate requer investigação e merece uma reflexão: “Será que existe algum crime que não possa ser cometido na internet? Praticamente todos migram ou são cometidos na internet. Precisamos melhorar a investigação de crimes cibernéticos porque é bem possível que a maioria dos delitos serão cometidos de maneira mais facilitada e com maior reincidência”.