Propostas estruturais para combater a Litigância Predatória

IASP reúne 200 pessoas em sua sede para debate com profissionais do direito e do jurídico corporativo em busca de soluções contra práticas fraudulentas.

O uso abusivo do Sistema de Justiça em litigâncias predatórias massivas, utilizadas como um negócio, viu crescer na última quarta-feira (dia 19) uma verdadeira  barreira contra esse modelo no Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP). O evento Litigância Predatória: Compreensão e Caminhos Possíveis, que se destacou pelo recorde de 200 pessoas no auditório, na sede do Instituto, trouxe uma perspectiva mais crítica sobre o tema que abarrota tribunais. A mesa de abertura contou com a presença de membros do IASP, incluindo o presidente Diogo Leonardo Machado de Melo e o presidente da Comissão de Direito e Economia, Luciano Benetti Timm.

Em sua fala inicial, o presidente Diogo Melo destacou a grande presença de público e a relevância do tema, afirmando que o IASP, com seus 150 anos de história, está totalmente comprometido em colaborar com a discussão sobre litigância predatória e um olhar mais amplo sobre o tema, que vai além de soluções pontuais. “O IASP está disposto a pensar e oferecer propostas estruturais. Não adianta a gente pensar a casuística sem pensar como nós podemos colaborar do ponto de vista geral, estrutural”, afirmou.

“A litigância predatória é um fenômeno factual que tem que ser observado como fato e não como lado”, disse Timm, reforçando que a solução para o problema deve estar centrada em propostas práticas e estruturais.

O encontro contou com a participação de renomados profissionais do direito e do setor jurídico corporativo, incluindo o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Paulo Moura Ribeiro, que participou remotamente; o juiz de Direito do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), Airton Pinheiro; a professora do Insper, Luciana Yeung; o gerente executivo jurídico do Banco do Brasil, Renato Machado; o diretor jurídico da MRV, Guilherme Freitas; o diretor jurídico de Litigation e Legal Ops no Nubank, Humberto Chiesi; o economista e professor do Insper, Thomas Conti e a professora de direito da ESPM, Ana Paula Nani.

O ministro Paulo Dias Ribeiro,  presente no evento, foi o relator do Tema 1.198 no STJ, que tratou da litigância predatória e foi julgado em 2025. A tese proposta pelo ministro foi aprovada em 13 de março deste ano, estabelecendo que o juiz pode exigir documentos complementares sempre que houver indícios de litigância predatória. Esse tipo de prática, caracterizada pelo ajuizamento massivo de ações sem fundamento jurídico consistente em busca de vantagens indevidas, sobrecarrega o Judiciário. 

Para combater o problema, o STJ definiu que os magistrados devem atuar de forma fundamentada e razoável, podendo solicitar que a parte autora apresente documentos adicionais para dar suporte mínimo às suas alegações. Ao comentar a decisão, o ministro afirmou: “Penso que o STJ, finalmente, cumpriu seu papel constitucional e que essa decisão chegou em boa hora para iluminar os caminhos desse tipo de demanda, pois o prejuízo para a sociedade era realmente imenso.”

Modelo lucrativo de negócio

Outro ponto destacado no evento foi a necessidade de diferenciar a litigância de massa, que é comum no Judiciário, do abuso sistemático das prerrogativas processuais. O juiz Airton Pinheiro ressaltou que, a partir da identificação de padrões em “distribuições atípicas” de ações, foi possível perceber que a litigância predatória, em sua forma mais extrema, funciona como um modelo de negócio altamente lucrativo baseado no uso abusivo do sistema jurídico. Ele comparou o fenômeno a uma patologia, enfatizando que o problema não está na litigância de massa em si, mas no uso fraudulento e reiterado dos mecanismos processuais. 

Segundo o juiz, a Resolução 159 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foi um importante instrumento para coibir essas práticas, ressaltando que, isoladamente, muitas das prerrogativas processuais utilizadas são legítimas, mas, quando combinadas de forma estratégica e repetitiva, configuram um verdadeiro desvirtuamento do direito.

Humberto Chiesi apresentou dados do Nubank para ilustrar o impacto da judicialização no setor bancário, especialmente em um país onde o volume de processos é historicamente elevado. Ele destacou que, apesar do alto número de ações no setor, a porcentagem relativa ao banco não é tão significativa. No entanto, chamou a atenção para o problema da litigância abusiva, conceito adotado pelo STJ, revelando que 27% das demandas contra a instituição são movidas por advogados classificados como ofensores nesse contexto. Chiesi ainda apontou que o número real pode ser ainda maior, já que a identificação de todos os casos não é uma tarefa simples. 

A professora Ana Paula Nani destacou que o Judiciário, por ser um bem comum e um recurso limitado financiado pelo Estado, deve ser acessível a todos de maneira equilibrada. No entanto, quando agentes econômicos exploram esse sistema de forma oportunista, como ocorre na litigância predatória, acabam sobrecarregando o Judiciário e gerando externalidades negativas para toda a sociedade. Ela enfatizou que os litigantes predatórios se aproveitam da estrutura estatal ao ingressar com ações sem mérito, impondo custos não apenas ao sistema judicial, mas também a todas as partes envolvidas.

Taxonomia e ciência de dados

Luciana Yeung citou os diversos tipos de litigância – litigância de massa, frívola, de má-fé, repetitiva e excessiva – e defendeu que deve haver uma taxonomia para classificar o que é cada uma. Segundo ela, embora exista uma grande variedade de termos utilizados por alguns tribunais, é fundamental unificar a linguagem para tratar o tema de maneira científica e acadêmica.

Luciana também compartilhou o planejamento da pesquisa sobre o tema em parceria com a Corregedoria do TJSP, destacando a missão de descrever detalhadamente os diferentes tipos de litigância, identificando suas semelhanças e, mais importante, as características que as distinguem. Ela ressaltou que, sendo fenômenos distintos, as causas que originam cada tipo de litigância são igualmente diferentes, e, por isso, as soluções para enfrentá-las devem ser específicas. “Eu acredito claramente que, para diferentes tipos de litigância, nós temos incentivos diferentes, temos causas diferentes e nós vamos ter que tratar de maneiras diferentes”, afirmou.

O economista e professor Thomas Conti ressaltou a complexidade da litigância predatória, enfatizando que sua solução exige não apenas um conhecimento jurídico sofisticado para diagnóstico e criação de uma taxonomia adequada, mas também a integração de políticas públicas, ciência de dados e economia. Ele destacou que, assim como ocorre na alocação de recursos na economia, o Sistema de Justiça também enfrenta limitações e, por isso, é fundamental estabelecer prioridades. “Os recursos são escassos, e precisamos lembrar que priorização é um princípio essencial para garantir a eficiência e o equilíbrio do sistema”, afirmou.

O palestrante Guilherme Freitas iniciou sua apresentação afirmando que é necessário ter “coragem e dados” para combater a litigância predatória. Ele destacou a importância de identificar padrões de comportamento e entender melhor o fenômeno, ressaltando que é fundamental investir em inteligência setorial.  Ao reunir informações e analisar as tendências de litigância, as empresas podem agir de forma mais assertiva e combater práticas fraudulentas. O advogado também alertou para a necessidade de um ambiente colaborativo, onde as empresas compartilhem experiências e boas práticas para enfrentar o problema de forma mais eficaz.

Renato Machado encerrou a sequência de exposições mencionando o termo de cooperação firmado com o STJ em 2023, com o objetivo de racionalizar os recursos ao Tribunal. “De 13 mil recursos no ano de 2021 em que o Banco do Brasil era recorrente, nós reduzimos em 2024 para 1,6 mil recursos ao STJ, afirmou.