Compliance eficiente e equilíbrio entre sanções corporativas e individuais

IASP e Enrico Basile debateram diferentes modelos de responsabilidade penal corporativa e os desafios na criminalização de pessoas jurídicas

Diferentes modelos de responsabilidade penal corporativa ao redor do mundo e os desafios na criminalização de pessoas jurídicas foram temas surgidos no debate sobre a responsabilidade penal das empresas com a participação do professor italiano Enrico Basile, da Universidade Bocconi ( Milão). O evento foi promovido pelo Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP) na última sexta-feira (dia 21/3).

Na abertura, Heidi Florencio Neves, diretora cultural do IASP, e Átila Machado, presidente da Comissão de Direito Penal do IASP, destacaram que este foi o primeiro evento da Comissão sob a nova gestão, estabelecendo o tom para os trabalhos futuros. A organização ficou a cargo de Maira Salomi, vice-presidente da Comissão.  A vice-presidente do IASP, Marina Coelho Araújo, ressaltou que a discussão aconteceu no lugar certo, pois o Instituto é o local de interlocução da academia com a prática. 

O professor Basile elogiou o formato interativo do seminário, destacando que eventos desse tipo favorecem a troca de ideias em vez de simples palestras expositivas. Em sua apresentação, ele discutiu os principais argumentos a favor e contra a criminalização das empresas. Entre as objeções levantadas por Basile, destacaram-se:

  • Dogmáticas: Empresas não são seres humanos e, portanto, não poderiam ser responsabilizadas criminalmente.
  • Política criminal:

Falta de mens rea: Como empresas não possuem intenção criminosa, responsabilizá-las penalmente sem esse elemento violaria os princípios do direito penal.

Prejuízo a terceiros inocentes: Multas e sanções podem afetar acionistas, funcionários e outros stakeholders.

Risco de leniência: O argumento “grande demais para falir” sugere que empresas podem ser tratadas com mais leniência para evitar impactos negativos na economia.

Basile apresentou os modelos de responsabilidade penal corporativa adotados em diversos países:

  • Estados Unidos: Baseado na responsabilidade vicária, permitindo que empresas sejam responsabilizadas pelas ações de seus funcionários.
  • Reino Unido: Inicialmente baseado na teoria da identificação, foi reformulado para incluir o modelo “falha em prevenir” crimes.
  • França: Empresas são responsabilizadas quando crimes são cometidos em seu benefício.
  • Itália: Inicialmente restrito a certos crimes, o modelo foi ampliado, exigindo que empresas demonstrem a eficácia de seus programas de compliance.
  • Espanha: Modelo similar ao italiano.
  • Alemanha: Embora não tenha um modelo formal de responsabilidade penal corporativa, adota sanções administrativas rigorosas contra empresas envolvidas em práticas ilegais.

Presunção de inocência

O professor Gustavo Badaró questionou se a exigência de comprovação da eficácia do compliance pelas empresas representa uma inversão do ônus da prova, possivelmente violando a presunção de inocência. Basile respondeu que, apesar de o modelo italiano prever essa exigência, a legislação é pouco aplicada na prática, e algumas empresas conseguiram demonstrar a eficácia de seus programas de compliance como defesa viável.

Heloisa Estellita levantou a preocupação de que o julgamento conjunto de empresas e indivíduos poderia levar à aplicação de padrões mais lenientes aos indivíduos, criando um efeito “slippery slope”. Basile argumentou que um julgamento conjunto permite uma avaliação mais consistente das provas, economiza recursos e garante um julgamento unificado.

Criminalização de IA

O debate também incluiu a questão da criminalização de plataformas de inteligência artificial. Basile argumentou que punir a IA como uma entidade criminosa seria inútil, pois, diferentemente das corporações, a IA não possui ativos nem capacidade de tomada de decisão estratégica.

O evento trouxe uma análise abrangente sobre a responsabilidade penal das empresas e os desafios de sua aplicação em diferentes sistemas jurídicos. A discussão reforçou a importância de um modelo de compliance eficiente e a necessidade de um equilíbrio entre sanções corporativas e individuais.