IASP promove união da Advocacia feminina paulista

A união de três entidades paulistas da Advocacia pode construir um caminho a partir da perspectiva feminina. Foi um dos motes do 1º Encontro da Advocacia Feminina Paulista, promovido pelo Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP) nesta sexta-feira (dia 28), com apoio da AASP e da Comissão da Mulher da OAB-SP.  A ideia é que as três entidades continuem a refletir e atuar para transformar esse cenário.

Marina Coelho Araújo, vice-presidente do IASP, abriu o evento agradecendo a presença de todas e todos e enfatizou que este não é um ponto de chegada, mas um ponto de partida para novas construções. Ressaltou que a perspectiva das mulheres ainda está ausente nos processos de criação das leis, nos tribunais superiores e no Judiciário. Em sua fala, citou as histórias inspiradoras de Esperança Garcia e Mirtes Gomes de Campos como exemplos de luta e resiliência.

“Nós temos uma força muito grande como advogadas, porque sem a pluralidade, sem essa situação equânime de distribuição da justiça, nós nunca teremos uma democracia efetiva. E nós, mulheres, e principalmente as que estão nessa sala, somos responsáveis por transformar esse cenário. E esse cenário não vai ser transformado com simplicidade”, disse Marina.

O 1º Encontro, marcado pelo compromisso da nova gestão do Instituto para que seja anual, contou com dois painéis principais: o primeiro abordou história, poder, decisão e perspectivas futuras; e o segundo tratou da violência institucional, especialmente contra jovens advogadas.

Painel 1

Poder, decisões, concretudes. Presente e futuro da advocacia feminina

Daniela Magalhães, vice-presidente da OAB-SP, apresentou dados sobre a presença feminina na OAB e na advocacia. Ressaltou que não basta ocupar os espaços, é fundamental que as mulheres tenham voz ativa e utilizem suas canetas para promover mudanças.

“Muito me incomoda que a desvantagem histórica que acumulamos, por não ocuparmos os espaços de poder, nos traga hoje apenas a discussão sobre violência. Enquanto os homens discutem política, o quinto constitucional e os rumos da nossa profissão.”

Ela destacou que diversidade não é apenas uma boa ação, mas sim uma estratégia que gera retorno financeiro e eficiência, sendo essencial para uma democracia verdadeira. E que a inclusão de mulheres é um exercício e um esforço diários. 

Ana Cândida Marcato, diretora da AASP, destacou que a entidade também tem representatividade feminina em sua liderança. Ela enfatizou que as mulheres ainda não chegam aos cargos de poder devido à falta de patrocínio institucional e à sobrecarga de responsabilidades.

“Se não tivermos mulheres ocupando os espaços, quem pensará sob a ótica feminina? Quem considerará nossas dores e necessidades?”

Ela citou iniciativas como a Resolução Administrativa de 2018, que determinou a presença mínima de 30% de mulheres em eventos organizados pela CBC, percentual ampliado para 40% em 2024.

Ser mulher em setor masculino

Priscila Ungaretti, Diretora de Relações Institucionais do IASP e advogada pública, compartilhou sua trajetória na administração pública, destacando os desafios de ser uma mulher em um setor predominantemente masculino. Ela relatou que, ao assumir um cargo de diretoria jurídica, contrataram uma coach que tentou masculinizá-la, inclusive sugerindo mudar sua voz.

Em 2019, após assumir a Secretaria de Transporte do Estado de São Paulo (a primeira mulher secretária de transporte do Brasil), era desacreditada em reuniões e sofria ofensas pela internet.

Priscila também abordou situações de mansplaining, em que foi frequentemente interrompida por homens durante reuniões, e reforçou a necessidade de discutir não apenas a entrada das mulheres em espaços de poder, mas também a permanência e o respeito dentro desses espaços. “A gente pensa nas cotas, pensa em como entrar, mas a gente tem que pensar dali para dentro também.”

Cláudia Bernasconi, primeira mulher presidente da Comissão de Prerrogativas da OAB e coordenadora do UMA – União das Mulheres Advogadas, destacou que muitas advogadas desconhecem seus direitos, como a preferência para sustentação oral concedida a grávidas e lactantes pela Lei Julia Matos.

Ela mencionou iniciativas importantes, como a criação de uma vice-presidência específica para questões femininas na Comissão de Prerrogativas, a Escola de Prerrogativas e a inclusão do tema no Exame da Ordem.

“Não basta ocupar espaços de poder, é essencial permanecer e atuar de forma efetiva dentro deles.”

Ela destacou a criação do UMA, que tem várias ações de inclusão que à princípio podem ser consideradas pequenas, como a criação da beca feminina, mas na verdade representam um marco na inclusão de mulheres no ambiente jurídico.

‘Não buscamos espaço por sermos mulheres’

Roberta Toledo, presidente da Comissão de Direito da Mulher do IASP, encerrou o painel destacando a importância do caminho percorrido, agradecendo o trabalho de Renato Silveira, ex-presidente do Instituto, que iniciou a construção de uma maior presença e participação feminina na instituição, até a atual gestão de Diogo Leonardo Machado de Melo.

Roberta resgatou pontos essenciais trazidos por cada uma das participantes. Retomou o argumento de Daniela sobre a necessidade de ampliar o alcance do discurso: “Nós não temos que falar apenas para nós mesmas ou para nossos pais. Precisamos falar para todos e ocupar todos os espaços.”

Em seguida, reforçou os dados compartilhados por Ana Cândida, ressaltando que a presença feminina nos espaços de decisão não deve se dar apenas pelo fato de serem mulheres, mas sim pela qualificação, produtividade, inteligência e competência que agregam. “Somos mais atentas, caprichosas, dedicadas e focadas, por questões próprias da feminilidade e também da masculinidade. Não buscamos espaço apenas por sermos mulheres, mas porque somos qualificadas e capazes de entregar resultados com qualidade.”

Ela então conectou esse ponto com a fala de Priscila, enfatizando que “não precisamos nos masculinizar para ocupar esses espaços. Precisamos, sim, demonstrar o que uma mulher pode fazer e onde ela deve e pode estar, e é por isso que estamos aqui.”

Roberta também trouxe uma reflexão sobre a estrutura do poder público, afirmando que “ele não é masculino, mas sim machista.” Destacou que, embora evite o uso desse termo de forma leviana, neste caso se trata de um machismo estrutural amplamente reconhecido.

Ao final, lembrou as questões apontadas por Cláudia e Marina sobre as dificuldades enfrentadas dentro da OAB e em diversos espaços. Para ela, o debate não deve se limitar à presença feminina, mas avançar para uma perspectiva mais ampla e interseccional. “Precisamos falar sobre gênero de forma geral, sobre raça, ideologias, classes sociais. O debate não pode ficar restrito ao papel da mulher; é preciso incluir outros recortes para que o avanço seja real.”

Finalizando, Roberta reforçou um compromisso coletivo: “Nossa necessidade é construir estruturas fortes e não ficarmos estagnadas em diálogos apenas entre nós. Precisamos dar um passo adiante, falar para fora e garantir que uma coisa fique clara: nós não vamos recuar nem um centímetro.”

Painel 2

Violência Institucional e advocacia feminina. Prevenção, fortalecimento e remediação

Heidi Florêncio Neves, Diretora Cultural do IASP, fez a abertura do segundo painel, destacando que violência institucional não é exclusivo da advocacia. “Nós, mulheres advogadas, não somos as únicas que sofremos esse tipo de problema. Infelizmente, a violência institucional atinge todas as profissões.”

Ela ressaltou a existência da Lei Júlia Matos, mas apontou sua ineficácia prática. “Nós temos a lei, mas sabemos que isso não acontece na prática. Até hoje, temos relatos de mulheres que não têm direito à sustentação oral, mesmo estando grávidas. E aí eu me pergunto: quem nega esse direito?”

Heidi também destacou como as mulheres são constantemente julgadas. “Somos julgadas pela roupa, pela falta de maquiagem ou pelo excesso, pelas nossas unhas, etc.” Ela observou que, embora as mulheres sejam maioria nas universidades, ainda enfrentam dificuldades para permanecer e alcançar cargos de poder. Além disso, destacou que “as mulheres precisam estar mais bem preparadas para concursos, porque delas é exigido mais.”

Ela apresentou uma lista de tipos de violências institucionais e enfatizou a importância de dar os primeiros passos para a mudança. “Não vamos transformar a sociedade de hoje para amanhã, mas precisamos começar. Um evento como hoje é um primeiro passo. Dentro da nossa casa, dos nossos escritórios, das instituições que ocupamos, cada passo conta.”

Por fim, reforçou a importância do respeito. “Se vivêssemos em uma sociedade normal, nem precisaríamos ensinar isso. A prerrogativa nada mais é do que respeitar o outro, respeitar o ser humano, e, muitas vezes, isso não acontece.”

‘No campo institucional, não podemos permitir retrocessos’

Silvia Souza, Conselheira Federal pela OAB-SP, abordou a implementação da paridade de gênero no Conselho da OAB Nacional. “Na nossa gestão passada, foi a primeira vez que a resolução de paridade foi aplicada. O Conselho Federal tem 81 conselheiros e, obrigatoriamente, teria que ter 50% de mulheres e 50% de homens. Mas na prática, dos 81 titulares, apenas 23 eram mulheres.” 

Ela explicou que a norma prevê a presença de pelo menos uma pessoa de cada gênero, sem mencionar especificamente mulheres. “Isso impede que exista uma bancada 100% feminina.” Mas destacou a quebra de um paradigma histórico pela OAB-SP. “Rompemos com uma história de 94 anos de bancadas exclusivamente masculinas ao lançar uma chapa com uma bancada 100% feminina.”

Silvia apontou que, embora o número de mulheres titulares tenha crescido de 23 para 34, ainda há uma manipulação do sistema para que as mulheres não ocupem espaços de poder. “Mesmo cumprindo a cota de 50%, as mulheres ainda não estão nos espaços de decisão.”

Ela também foi a primeira mulher e a primeira pessoa negra a presidir a Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB. “A nossa missão é de formação e capacitação com uma perspectiva interseccional de gênero e raça.” Alertou sobre a atual disputa de narrativas políticas. “Há um ataque às questões de gênero, raça e diversidade. No campo institucional, não podemos permitir retrocessos.”

Por fim, reforçou a importância das políticas afirmativas. “São elas que garantem a presença de mulheres e promovem transformações na legislação e no ambiente institucional.”

Renata Mariz, vice-presidente da AASP, destacou a energia coletiva do evento. “Nunca vi tanta sinergia, tanta gente com o mesmo objetivo. Esse é o foco.” Ela compartilhou sua experiência ao assumir o cargo. “Eu tive muito medo. Quando entrei na sala, vi 70 homens e apenas uma mulher na parede, olhando para mim. No meio, o meu pai com uma cara bravíssima.”

Falou também sobre sua identidade profissional. “No começo, me perguntava se estava ali porque sou filha do Mariz. Mas não, eu estou lá porque sou a Renata. Pediram para eu parar de sorrir, mas eu não vou parar de sorrir. Estou lá porque tenho vocês.”

Maíra Recchia, Conselheira Estadual e Presidente da Comissão da Mulher da OAB-SP, destacou a assimetria de poder como base da violência institucional. “As estruturas foram pensadas por homens para os homens. Ainda existe a visão de que as mulheres devem ficar restritas ao ambiente privado, o que leva a estereótipos como o de que somos emocionadas ou usamos instrumentos legais como vingança.”

Ela enfatizou a necessidade da presença feminina na política. “Além da nossa união, o que nos levará a alcançar a paridade é ter mulheres comprometidas na política.”

Sobre a violência institucional, Maíra mencionou a existência do lawfare de gênero. “Mulheres são julgadas pelo que são em suas relações pessoais. Homens, pelo que são profissionalmente. Essa é a grande diferença que precisamos mudar.”

‘Este mundo não foi feito para metade da população’

Patrícia Vanzolini, ex-presidente da OAB-SP e Conselheira Federal, compartilhou sua jornada de reconhecimento do poder feminino. “Demorei para entender quão poderoso é estar entre mulheres. Quando descobri, foi uma epifania.” Ela enfatizou que as mulheres ainda são estrangeiras no mundo. “Este mundo não foi feito para metade da população.”

Sobre políticas institucionais, Patrícia apontou três pilares:

  1. Combate à violência – “Ambientes profissionais precisam ter políticas de denúncia e punição.”
  2. Promoção de mulheres – “Precisamos superar o teto de vidro e incentivar políticas afirmativas.”
  3. Mudança cultural – “A transformação passa pela educação e pelo combate à distribuição desigual da economia do cuidado.”

Ao final do evento, presidente do IASP, Diogo Melo, agradeceu às colegas da Diretoria: Marina Coelho Araújo, Heidi Florêncio Neves, Paula Tonani e Roberta Toledo pela organização e ressaltou a necessidade de autocrítica institucional. “A igualdade de gênero não é uma aspiração, é uma exigência ética e civilizatória. Temos que trabalhar a consciência e criarmos estruturas internas perenes, para que possamos avançar nesta pauta.” 

Ele destacou a importância da síntese e do comprometimento com mudanças estruturais. “Precisamos trabalhar para transformar essa realidade.”