Entre avanços e críticas, CPC mostra fidelidade à Constituição

IASP realiza primeiro encontro do ciclo de debates sobre os 10 anos do Código Processual Civil

O Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP) realizou nesta segunda-feira (31/3), em sua sede na Avenida Paulista, o primeiro encontro do “Ciclo de Debates 10 anos do CPC”. Cinco temas foram abordados pelos debatedores. O evento ocorreu no auditório Professor Miguel Reale e foi organizado pela Comissão de Direito Processual Civil do Instituto. A abertura foi feita pelo presidente Diogo Leonardo Machado de Melo.

Cândido Rangel Dinamarco, professor titular de Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da USP, discorreu sobre “Panorama, os 10 anos do CPC/15 e suas Principais Mudanças, Avanços e Retrocessos”; Patrícia Miranda Pizzol, livre-docente, doutora e mestre pela PUC-SP, e vice-presidente da Comissão de Direito Processual do IASP, falou sobre “Recursos de Agravo e Apelação”; Cláudia Elisabete Schwerz, presidente da Comissão de Direito Processual do IASP e doutora e mestre em Direito Processual Civil pela PUC-SP, abordou “Sistema de Precedentes”; Isabela Vidigal, mestre em Direito Processual Civil pela UFMG, tratou de “Tutela Provisória”; e Pedro da Silva Dinamarco, conselheiro do IASP e doutor em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito da USP, explanou sobre “Execução – Medidas Atípicas”.

Diego Melo saudou a organização do evento, liderada pelas professoras Cláudia Schwerz e Patrícia Pizzol. “Quem estiver acompanhando nossa programação terá a certeza de que os encontros sobre os 10 anos do CPC instigarão muitos debates”, afirmou o presidente.

Associado emérito do Instituto, responsável por variadas reformas do CPC e um dos idealizadores e fomentadores da teoria geral do processo, Cândido Dinamarco frisou sua aprovação ao CPC, em palestra online. Embora não deixe de abordar a existência de divergências quanto ao CPC, afirma não ver falhas técnicas no Código.

“Tivemos avanços ou retrocessos? Não vejo nenhum retrocesso no CPC. O que vejo são alguns pontos de deficiência da Justiça, muito mais por responsabilidade da organização judiciária e do próprio Poder Judiciário do que pelo Código. A Justiça é morosa. Os processos atrasam, dormem na Justiça. Não adianta o melhor dos códigos enquanto não houver um aprimoramento dos serviços judiciários”, ponderou o professor.

Fidelidade à Constituição

Entre seus avanços, Dinamarco destacou a fidelidade à Constituição. Referindo-se aos artigos 9º e 10º, caracterizou a recomendação ao diálogo e situou tal prática como uma das peças fundamentais da garantia constitucional do contraditório.

“O Código veio em um momento em que nós tínhamos várias dúvidas e ofereceu soluções práticas, que aceleram e aprimoram a Justiça pela prática do contraditório, com oportunidades iguais e amplas para todas as partes”, afirmou.

Ao abordar a questão dos “Recursos de Agravo e Apelação”, Patrícia Pizzol destacou os objetivos de simplificação do sistema recursal. “Tratando especificamente da apelação, hoje ele pode ser utilizado não apenas para impugnação da sentença, mas também para a impugnação das decisões interlocutórias sujeitas a agravo de instrumento. Hoje – ao contrário de antigamente – não há necessidade do agravo retido [recurso do CPC de 1973] e a decisão pode depois ser objeto de apelação”, afirmou.

Em sua fala, a professora abordou ainda, entre outros, temas como a aplicação da teoria da causa madura, julgamento antecipado parcial; agravo de instrumento, com foco no cabimento e a interpretação do STJ em relação ao artigo 1.015 do CPC. Destacou ainda a possibilidade da correção dos vícios sanáveis e o agravo de instrumento contra decisão interlocutória de mérito.

Aprimoramento

No tocante ao sistema de precedentes – caracterizado como uma das grandes vedetes do CPC – segundo Cláudia Schwerz, “buscou trazer mais estabilidade, uniformidade, previsibilidade e isonomia”. Doutora e mestre em Direito Processual Civil pela PUC-SP, ela discorreu sobre o respeito vertical e horizontal dos precedentes judiciais, entre outros aspectos. “Essa é uma questão relevante. Nem os tribunais respeitam propriamente as suas decisões. Estamos ainda em um momento em que a aplicação do precedente precisa ser aprimorada”, advertiu.

A presidente da Comissão de Direito Processual do IASP tratou ainda, entre outros, dos desafios na aplicação dos precedentes, falando sobre casos emblemáticos no Brasil como o ICMS e o ISS na base de cálculo do PIS/Cofins; dos elementos estruturais dos precedentes, focando em conceitos como Ratio decidendi, tese jurídica, obter dictum, distinguishing e Overruling.

Isabela Vidigal, por sua vez, ressaltou a “mudança de mentalidade” trazida pelo CPC que, segundo ela, “superou uma estrutura repleta de armadilhas processuais que traziam insegurança aos advogados”. No que concerne à tutela provisória, a caracterizou como primeiro avanço.

Entre os demais progressos do Código, ela abordou questões como fungibilidade, incremento, tutela de evidência e o conteúdo do parágrafo 3º do artigo 300 sobre irreversibilidade dos efeitos da tutela antecipada. Afora os avanços do CPC, Isabela também apontou o que considera retrocessos do Código – abusos no que concerne à tutela provisória enquanto instrumento, tática processual que visa inviabilizar e protelar litígios.

“No CPC de 2015, em que o juiz teve uma maior facilitação dos requisitos, a concessão da tutela de urgência passou a ser mais comum para os juízes. Hoje, quando a gente busca uma tutela de urgência, ela é deferida ou indeferida muito prontamente. Porém, o caminho da contraparte em relação à tutela de urgência – e tomo aqui os casos de deferimento – a revogação, seja porque os requisitos não foram tão bem avaliados, seja por ser uma tutela antecipada, o juiz olhou de uma forma rasa, desprezando evidências relevantes, que mostravam que aquele direito não era tão provável”, afirmou.

Dignidade humana

No que tange ao tema “Execução-Medidas Atípicas”, Pedro Dinamarco tomou como exemplo o que classificou como medidas “clássicas”: a retenção de CNH e do passaporte de devedores inadimplentes como medidas coercitivas para assegurar o cumprimento de uma ordem judicial. Neste sentido, apontou a necessidade de que as medidas de coerção não se transformem em medidas de punição.

“Não pode esse tipo de medida violar a dignidade humana. É um limitador bastante importante não levar o devedor à penúria, não impedir que o devedor exerça a sua profissão e, portanto, tenha meios de subsistência. É o caso de tirar a CNH de um motorista de taxi ou de Uber”. Entre outros assuntos, o conselheiro do IASP também falou sobre o bloqueio de redes sociais e da necessidade de maior comprometimento dos juízes na efetividade da execução.