Caráter intrafamiliar de estupro de vulnerável dificulta denúncias
Subnotificação em 75% dos casos de estupro de crianças e adolescentes foi um dos temas debatidos em evento no IASP
O IASP sediou na sexta-feira (23/5) a palestra “Violência contra a criança e adolescente: debate sobre as possibilidades de solução”. O encontro foi organizado pela Comissão de Direitos Humanos, presidida pelo advogado Belisário dos Santos Jr., e contou com a participação da Diretora Presidente do Instituto Liberta, Luciana Temer, e o membro do Grupo de Trabalho Interinstitucional sobre Educação Infantil (GTIEI) e o do Comitê de Assessoramento à Coordenadoria da Infância e Juventude do TJ-SP, Rubens Alves.
“Mais de quatro crianças e adolescentes com menos de 13 anos são estupradas por hora no país”, destacou Luciana Temer no início de sua fala. “75,5% desses casos aconteceram dentro da casa da vítima”, apontou ainda a advogada. Nesse sentido, o estupro de vulnerável, descrito no código penal brasileiro desde 2009, é uma das principais dinâmicas de violência que atingem as crianças e adolescentes do país, principalmente por se tratar, como exposto, de uma violência intrafamiliar.
Luciana ainda cita que, segundo pesquisas, somente 10% dos casos de estupro de vulnerável são notificados, havendo assim uma grande subnotificação nos números reais de vítimas. “Os números atuais são só a ponta do iceberg”, comentou. “Nunca é fácil de denunciar uma violência sexual. Mas é mais fácil denunciar o professor da escola ou um líder religioso, do que um o avô, o irmão ou o próprio pai da criança”, concluiu.
Segundo Rubens Alves, o Brasil possui um arcabouço legal extremamente avançado no que tange a proteção das crianças e adolescentes. “O ECA é uma legislação ‘moderníssima’ que não só reafirma os direitos fundamentais da criança, mas institui um sistema harmônico de promoção de direitos e também do combate às ameaças contra crianças e adolescentes”, destacou. “Nós temos um instrumental na área da proteção bastante sólido, mas por que não avançamos mais no que diz respeito a essa questão do combate à violência sexual contra crianças e adolescentes?”, questiona o advogado.
Alves ainda destaca que é preciso colocar as crianças no centro das atenções do Estado brasileiro. Proposto pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, o orçamento da União destinado à proteção de crianças e adolescentes em 2023 corresponde a somente 1.5% daquilo que foi gasto em 2012. Houve, entre 2022 e 2023, uma redução de 99% no orçamento dos serviços de proteção social especial no SUAS (Sistema Único de Assistência Social), que desenvolve ações voltadas ao combate do abuso e/ou exploração sexual, negligência, maus tratos e violência de crianças e adolescentes.
“A gente só vai fazer com que essas políticas públicas, que a militância está ajudando a construir nos últimos anos, funcionem, quando realmente tivermos pressão social”, destacou Luciana. “Porque política pública não é só boa vontade, ela é dinheiro e dinheiro é disputado, pois é um só. A pergunta é: para onde vai esse dinheiro?” questionou.
Além disso, Luciana trouxe à tona também a questão das violências virtuais contra crianças e adolescentes, citando os exemplos de estupro e extorsão virtual. “Já tem sido reconhecido por juízes que estão condenando pelo tipo penal estupro admitindo estupro virtual pela grave ameaça”.
A gravação está disponível no canal do Youtube do IASP. Para assistir ao evento completo, clique aqui.